janeiro 17, 2015

Entorpecente

    Alguma coisa especial para mim? Alguma encomenda sem endereço no remetente? Alguma garrafa cheia embrulhada e sem nome? Algum milagre tardio? Dou passos cegos dentro do bar, andando em círculos, fitando a jukebox, sentindo uma música dentro de mim e dela, vindo de nós duas. Welcome to the hotel california. A voz canta na gente – a gente na qual uma é apenas tecnologia parada no tempo. Eu também parei, só o corpo move, mas o pensamento está preso em algo não identificado. Eu estou entorpecida.
    She said: we're all prisioners here of all our own device. Eu continuo dando voltas, eu vejo as outras pessoas, eu vejo o dono do bar, vejo uma mendiga próxima da porta querendo estar aqui dentro, sinto o mau cheiro de maus bêbados e do deplorável banheiro unissex. E se a música acabar antes que eu possa encontrar o que tem para mim? 
    Eu a faço tocar outra vez. E outra. E outra. E mais outra. E vou ficar aqui e eles não podem me mover, eles não podem me tocar, não mais, eu não deixo que me toquem.
    A não ser que paguem, alguma outra voz dentro de mim contradiz meu pensamento. Você é um lixo humano, uma terceira (ou quarta?) voz julga aqui dentro. No âmago. Faço a música repetir. Eu não ganho nada com isso? Um prêmio de consolação, um oferecimento de ajuda, um conselho de outro desnorteado?
    Eu apenas cheguei nesse estado em que não sinto ninguém. Vejo as pessoas próximas de mim, mas é como se não existissem, como se fossem mortos vagando ao meu redor. Eu estou em um universo que existe no mais profundo do que sou, cheio de questionamentos e lirismo. Eu fico aqui esperando ver vida em um único alguém e que esse alguém veja esperança nessa coisa que sou por fora e me salve. Me salve com uma coisa especial, uma encomenda, uma garrafa de presente. Um quesito de preocupação. Um resquício de importância. Um sossego do que faço sem parar. Um desvio para onde ainda não fui. Mas é tudo igual. 
    A luz de fora do bar é apagada, é um aviso silencioso de que devemos dar os últimos goles, ouvir a última música e ir embora. Eu faço aquela tocar outra vez, mas dessa vez sento para ouvir e tento me transportar desse universo encrustado na alma para o que devo ser no meio de todos. Sinto um pouco dos efeitos sumirem de mim, sinto sonolência e ânsia, sinto o início dos efeitos ruins pós qualquer porcaria que tenho usado. 
    Uma das portas é fechada, é praticamente uma expulsão sucintamente quieta. Então eu me retiro, eu sento no meio fio e vejo o chão girar, perco a coragem de olhar para o céu. Parece alguma outra noite em que tudo parecia não ter fim, mas eu sobrevivi mais e mais dias. E vou sobrevivendo, ao mesmo tempo em que vou me matando.
    Vou girando ao contrário do que devo e se em algum momento eu acertar a direção, já estarei preparada para a tontura momentânea.








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