abril 14, 2015

Inquietudes


    De segundos em segundos, pouco a pouco, respira fundo enquanto amassa, sequencialmente, guardanapos que ao longo da conversa estão sendo retirados da caixinha. Ela tem aquele pensamento de toda sexta-feira em casa, de todo sábado sem festa, de todo domingo por excelência, aquela ideia que rodeia não somente sua mente, mas corpo, cotidiano e vida. Aquela coisa de sempre que agora ela diz para a pessoa a sua frente: "é que, sabe, já era pra eu ter superado..." E as reticências se transformam em um silêncio cheio de culpa, por ambos, enquanto o outro tira com as unhas os rótulos da garrafa de cerveja. Alguém na porta do estabelecimento vê a cliente amassando tantos guardanapos e até planeja ir avisar que não pode, que não passa de um simples papel para limpar a boca e as mãos. Mas quem é que vai falar para aquela moça a função de uma coisa tão simples? Ela que pensa tanto com uma persistência incrível em uma ideia só e mesmo assim não se resolve. E quem é que vai se aproximar para dar pitaco? Ela que precisou de vinte e três guardanapos, oito ou nove suspiros, treze frases iniciadas e por fim abandonadas simplesmente  para dizer em voz alta nove palavrinhas (apenas porque é sempre muito difícil dizer o que pensa). Quem é que vai se intrometer? Se a essa altura já tem alguém ali na sua frente com um silêncio culpado mesmo que não esteja dentro daquela ideia, quem? De tempo em tempo, exagerada sem querer, ela traz uma ou duas pessoas para seus tumultos, faz esses discursos sobre a própria vida, conta suas histórias e quem ouve não encontra outro caminho para seguir senão ficar ali e passar por tudo ao lado dela. E quem é que vai dizer que não quer ouvir? Ela que quase nunca expõe sua voz, que nem deixa beira para qualquer pessoa encontrar defeito. Quem é que vai negar ficar mais um pouco e, sutilmente, a vida toda? Logo para ela que, com voz baixa e olhos tristes, conta que não tem mais ninguém e, mesmo que você esteja extremamente inquieto com aquele desperdício todo de guardanapos, não conseguirá não se comover. 

Flávia Andrade

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