maio 12, 2015

De corpo sem alma


    Escorado na parede com as mãos nos bolsos, com cara de sono e mentalmente retornando ao sonho da madrugada. Distante do mundo exterior com cansaço e um pouco de frio, com saudade e fome matinal, com peso na mochila, nas pálpebras, no que chamam de coração. Carregando todos esses incômodos, alguns estampados e outros guardados, pensa em desistir. Diz "bom dia" com uma voz suicida que quer dizer: "antes não houvesse outro dia, antes eu estivesse esticado na cama". Pergunta o preço da passagem de ônibus para calcular quanto custa a ida, a volta, o cigarro e a janta, até planeja não voltar para que sobrem os trocados de um isqueiro. Escorado e imóvel, perdido no lugar de sempre que já sabe de cor, querendo não estar, desejando não ser. O dia está morto e ele anda por obrigação, sai do lugar para não ser expulso. Ele se move apenas para disfarçar e escorar em outro canto. Esse dia que não acaba parece com a saudade que não some, com aquela que não volta, com o tempo que não esquenta, só esfria. Escorado na outra parede não pensa em nada, não enxerga nada, mas ainda é o mesmo que sente tanta falta a ponto de não existir mais, de ser vazio por inteiro. É só um corpo escorado por precaução para não despencar.

Flávia Andrade

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