julho 16, 2015

Necessidades


— Do que mais você precisa? — você me pergunta com todo o ar de superioridade. 

    Eu precisei ter duas gripes, ir ao posto de saúde, receber a medicação de sempre em ambas as vezes. Precisei levar o irmão mais novo da minha amiga para passear, precisei limpar a casa inteira quando a visita ligou dizendo que chegaria em dez minutos. Quase uma surpresa! Precisei organizar uma festa surpresa ao mal agradecido que nunca me deu presentes. Precisei reprovar duas vezes no vestibular e desistir de uma faculdade depois que finalmente passei. Precisei esquecer a carteira e só perceber isso na porta da boate quando eu não a encontrei para pagar minha entrada, e precisei aceitar ajuda do cara estranho que passou a noite inteira tentando me beijar como retribuição dos vinte reais de open bar. Precisei torcer o pé na entrada da sala do gerente, no dia da minha primeira entrevista de emprego. Precisei chorar cinco ou seis vezes pela mesma pessoa até decidir seguir em frente. Precisei pegar o ônibus errado duas ou três vezes, dormir no ônibus certo e passar reto pelo meu destino. Aliás, sobre o destino, eu precisei andar por todos esses caminhos tortos para numa sexta-feira de manhã decidir ir à padaria comprar pães doces e te ver. Precisei me apaixonar por você como me apaixono por quase todo cara com sorriso bonito que não sei o nome. Precisei ouvir um oi. Eu precisei te conhecer melhor depois desse dia e precisei te ligar duas vezes por ansiedade de te encontrar e precisei aceitar o pedido de namoro. 

— Eu sempre fiz tudo por você, do que mais precisa? — e você está perguntando outra vez, irritado. 

    Eu precisei pensar em como eu era antes de você. Precisei dizer que precisava fazer o que eu costumava gostar de fazer. Eu precisei dizer vinte vezes o quanto gostava de flores até finalmente receber uma rosa no dia do meu aniversário. Eu precisei ir à psicóloga desabafar sobre você não ter aparecido no aniversário do ano seguinte. Precisei dizer a minha família que estávamos bem, mesmo sentindo uma dor incômoda do fundo do peito, coisa de quem mente sobre sentimentos. Eu precisei receber três ligações estressantes até parar de atender. Precisei sair para espairecer e entrar outra vez na padaria para comprar pães doces e sair de olhos fechados para não conhecer mais ninguém, para não se apaixonar outra vez. Eu precisei avisar a mim que tudo deveria ter um final, pois sempre sou a última a saber do que eu realmente quero. Precisei não te ver mais. Precisei ouvir essas suas perguntas para buscar respostas, explicações, dizeres. 

— Eu preciso achar caminhos certos dessa vez. — Respondo, por fim.

     Você precisou não entender coisa alguma para compreender que não sou mais quem você conheceu. Que nunca fomos quem achávamos que fomos. Que apenas precisamos ser. Mas as necessidades se descarregam depois de tanto tempo acumuladas e o que era preciso se esvai.

— Certo. 

— Boa noite. — Me despeço.

— Boa. 

— Boa sorte. — Digo.

— Obrigado. — Você diz e anda para fora da casa, da minha vida, de tudo o que foi necessário para aprender mais essa coisa curiosa sobre as pessoas: só sorriem enquanto você dá a elas o que precisam.

Flávia Andrade

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