dezembro 25, 2015

Espírito natalino

    Essa noite não é como todas as outras, mas eu a conheço de alguma época, como se esse instante fosse uma coisa vivida há um tempo atrás. Não consigo lembrar quando aconteceu e não sei lembrar como termina, mas me arrisco em permanecer acordada até que o próximo dia venha. Quero vê-la passar.
    Sobre o que sinto agora, ainda não sei. Talvez seja a saudade barata causada por uma paixão passageira que me leve a essa nostalgia mais profunda, ou vice-versa. Talvez seja a falta de amor lá fora e o excesso de amor dentro de mim. Talvez seja o quanto não demonstro e o quanto sonho com demonstrações de afeto. Sobre o que sinto agora, somente o ar um pouco incômodo do ventilador, a paz dos ouvidos pelo fim dos fogos de artifício e a vontade de ter bebido qualquer coisa com álcool.
    Meus toques em mim, toques próprios ainda que desapropriados, os toques são bons. Eu estive sentindo minha pele e imaginando a sensação de outras pessoas que já a sentiram. Penso sempre em agradar o quanto posso e ter sido boa o suficiente na medida que pude. Por agora, não soa tão difícil. Mas o abraço de uma ou duas pessoas - com suas particularidades e impossibilidades de estarem comigo agora - me fazem falta.
    A noite não corre, a noite não caminha, a noite vaga. Os minutos são processos minúsculos de sentidos, pensamentos e devaneios que vão estourando - silenciosamente - no ar, aos poucos, depois de inflarem alimentados por tudo o que há na minha cabeça. Algumas luzes aqui e ali permitem que eu veja o máximo que é também o mínimo desse horário, a melhor parte: um pouco do céu lá fora, silhuetas dos móveis e os dedos das minhas mãos que teclam um novo texto.
    A noite não me apresenta nada além do que eu mesma posso produzir, e ainda assim me disperso. Procurando um objeto qualquer vulgar, um inseto qualquer chato, uma pessoa qualquer no portão. Procurando algo que me tire daqui de imediato - somente porque sei que nada vai surgir e não terei de sair do cômodo. Procurando apenas porque estar comigo mesma, tão entregue e livre, causa algum medo meio sem sentido.
    Às vezes a inspiração parece falhar, e lembro da única pessoa que me faz escrever até quando eu peço para sumir, desaparecer, não me ver mais por nunca mais pelo resto de nossas vidas. Por muitas vezes eu pareço falhar, apenas por ainda buscar inspiração nesse alguém. Quem diria, então, que todas as aparentes falhas fossem me trazer até aqui. A vida de escritora não soa tão mal quando se tem como matar o tempo em uma noite natalina de insônia.
    Não há muito o que desvendar nesse meio escuro. De todo jeito, encontro novos motivos para não estar tão feliz, tão triste, apenas meio-termo. A vida é morna daqui pra lá, como quis ser também de novembro pra trás. Há muito em mim, eu repito sem parar, e há pouco lá fora, eu reclamo sem parar, o equilíbrio ocorre em instantes raros que tento recriar de novo e de novo. Nessa noite, enquanto todos dormem, o equilíbrio quase acontece.
    Essa noite não parece fim. Os filmes, as relações - e também os amores -, as ceias, o trânsito, tudo deveria começar nessa média de horário das duas da manhã. Deveríamos dormir enquanto o sol estivesse forte e queimando nossas peles. Deveríamos ter investimentos nas luzes dos postes e nas lâmpadas e nas velas e em tudo o mais que pudesse colaborar com a lua.
Essa noite, tão melancólica e rara, com seus extremos emocionais, à flor da pele, parece a melhor noite para me encontrar.

Flávia Andrade

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