março 27, 2013

Querer ser o que escreve


 Era noite quando ela despertava e era nas manhãs que cansada repousava. Nas madrugadas deixava resquícios de seu vocabulário entre folhas e pontas de lápis. O barulho do apontador caindo no chão era extremo e o da página folheando era sonífero. Conforme a ideia aflorava e as mãos apressadas escreviam, seu rosto aproximava-se mais como se pudesse entrar de vez no enredo que criava.

Flávia Andrade


Voo de ideias

  
   A inspiração aflora e vai embora, como um pássaro que passa a sua frente belíssimo para que o admire e em um piscar de olhos voa pra longe, foge com sua cor.

Flávia Andrade

março 14, 2013

Write

  Todas as noites ela deitava em sua cama e tentava dormir, descansar apenas um pouco, mas seus pensamentos e memórias não se desligavam, apenas despertavam cada vez mais imagens se passando como um filme. Então ela se levantava, pegava um caderno e uma caneta qualquer e começava a escrever o que guardava durante todos os seus dias... Era assim que ia compondo na solidão suas mais belas e confusas palavras. Das mais melancólicas às piegas. Abrir um caderno vazio era abrir uma vida para desvendá-la, ela sabia que encontraria em uma folha branca a inspiração para narrar uma vida tumultuada.

Flávia Andrade



março 07, 2013

Recordações daquele homem bom

   No fundo, agora percebo, eu gostava desse seu jeitão de ser. Não se preocupava com a roupa que vestia, não gostava de se aparecer pra fotos, não gostava nem mesmo de aparecer. Estava sempre ali, sentado por trás do balcão do bar, rindo das histórias contadas pelos bêbados, aprendendo com a vida sem ao certo buscar por ela... Pois com essa teimosia morria aos poucos, não tinha saúde, mas nunca se prontificou de ir a um médico, inventava desculpas e sempre saía vencendo, até porque com seu jeitão, convencia a todos de fazer tudo do seu gosto.
    Pai, por muitas vezes você me ensinou, por entrelinhas, como ser a garotinha firme entre os garotos, a garotinha inteligente na escola, a garotinha que sabia que tinha um herói. Não era bom em sentimentalismo e talvez por isso eu não o seja, mas sabia dizer as palavras certas, novamente, com seu jeitão. Você tinha um nome forte, mas eu adorava mesmo era quando mamãe te chamava de marido. Simples assim.
- Marido, o almoço está pronto. - Dizia calmamente, ela que era sempre tão firme. Não eram o casal apaixonado dos filmes, mas eram minha família real, rei e rainha sem coroas e sem frescura.
     Por outras vezes eu me deixei levar por dramas inocentes, dizia que você não me amava por não ser um pai igual os outros, por não me buscar na escola, por não me dar beijo na testa ou por nunca ter me dito (com todas as letras): eu te amo. Eu também nunca disse em voz alta, apenas escrevi cartinhas, mas o senhor abalado, apenas riu. Eu pequenininha, chorei, não entendi o quanto era difícil pra você lidar com uma pirralhinha te declarando amor. O "Waltão" - apelidado pelos amigos da época de garanhão - nunca foi homem de muitas palavras, mas até meus onze anos quando você se foi, eu não tinha aprendido a entender os fatos.
   Com quase quatro anos de recordações, a cada dia vejo que aprendi mais. Papai era um homem bom. Você era um homem bom. Ainda ouço os teus velhos amigos me dizerem "Ele não regulava comida pra quem precisava não, naquele barzinho entregava arroz e feijão pra quem aparecesse pedindo, cobrando apenas alguns minutos pra ouvir seus conselhos". Papai era um homem bom. Essa frase martelou em minha mente incontáveis vezes desde que você se foi, e eu, antes que você fosse não pude perceber.
   Todas as noites, penso em como seria se nós não fossemos tão cabeça dura e dissesse logo de cara um eu te amo no meio de algum bom dia. Mas onde ficariam as lembranças do teu jeitão? Eu sempre dou um pequeno sorriso quando penso em você como paizão, e era mesmo. Sinto tua falta. E de todos os bom dia substituídos por alguma musica improvisada que me fazia levantar pra escola. "Flavinha, hora de levantar, tomar banho, procurar o estojo e ir pra escola" - Cantava em um ritmo que só eu conhecia e a história do estojo, ah, eu sempre perdia alguma coisa de propósito pra chegar atrasada e não ter aula de geografia. Eu ficava irritada com a musiquinha, mas era porque odiava acordar cedo. A propósito, continuo odiando. Mas se você soubesse como sinto falta e pudesse voltar, juro que eu até cantaria junto.
    Sem abraços, sem declarações, amoleceu meu coração. Com alguns sermões e alguns trocados pra doces, foi o pai ideal. O papai que amo. Talvez você se envergonhasse se agora crescida eu te dissesse isso, tentaria contar alguma piada pra descontrair o momento, como sempre fazia quando tentava disfarçar a timidez. Confesse papai, você era um anti-social dos bons. E eu estou quase lá.
   Me disseram pra lembrar das coisas boas que passei com você, e eu estou fazendo isso enquanto tento controlar minhas lágrimas de saudade. Estou tentando imitar o teu sorriso, aquele que ficava escondido no teu relaxismo com beleza. Apenas concluo que te amo, mesmo com uma distância do céu a terra, eu te amo. Mesmo com uma distância da vida a morte, eu te amo, entre quem ficou com o coraçãozinho batendo enquanto outro parava em uma noite de sábado, eu te amo. E mesmo nunca tendo dito em voz alta, sei que assim como eu, você também me amava, pois mais do que simples pai e filha, eu era sua garotinha. Brilhe aí onde estiver, pra eu te ter próximo nas noites de pesadelos e nos momentos de medo, mas principalmente em cada singelo segundo que eu me recordar de você.


Flávia Andrade

março 04, 2013

Quem é ela?

   Se tivesse uma mala, fugiria. Se tivesse uma janela, pularia. Se tivesse um muro, derrubaria. E na verdade tem tudo isso, mas não se mexe, não se move, não age. Conta que pra lá foi, que de lá veio, mas a mesmice continuando lhe afligindo. Diz que festejou, bebeu, até morreu. Contudo se morreu foi de sobriedade e tédio. Quem é ela? Aquela que estuda, trabalha, se envolve em graça. Quem é ela? Aquela que bebe, fuma, se desgraça, mas se recupera. Aquela é quem queria ser a personagem principal de seus contos? Aqueles em que a garota foge, vai pra outro país, conhece o futuro astro de Hollywood, viajam pra Las Vegas e bêbados se casam. Ou queria ser ela a fuga do conto, a escritora monótona? Quem é ela que tanto se disfarça e se mente?

Flávia Andrade

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março 03, 2013

Ultrapasso-me

   Digo, peço, faço. Necessariamente nessa ordem, pois tudo me resta à fazer. Quando digo, sou muda, quando peço, sou invisível e quando faço, a atenção vem crítica e negativiza meus deslizes. E se respondo, sou impaciente, ao me calar, então sou estúpida. Estou debruçando no eterno silêncio, que contudo grita em minha mente. Ao mundo nada falo e dentro de mim, ah, como eu queria que minha voz aquietasse... Meus dramas diários corroem a voz, o gesto e o sentimento que tenta cicatrizar do dia anterior, isso em um processo sem fim.
   Estou mais cuidadosa, repenso minhas palavras diversas vezes até chegar ao ponto em que ficará "leve" razoavelmente, porém enquanto insisto na mesma tecla, encontro os defeitos dela. E desisto de tudo, recomponho, mas deixo de lado novamente. Assim vou perdendo a voz, a vida própria. Perco e não supero, me acumulo de saudades minha, escrevo e transbordo em vão. Em meus passos estão as tonturas como devaneios insistentes e em tentativas de me levantar da cama reconheço o corpo velho de uma alma velha e mente velha, estou idosa com quinze anos. Ultrapasso-me.

Flávia Andrade
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