Eu estive por tanto tempo sofrendo e
as pessoas não tentavam me ajudar diretamente, elas diziam alguma coisa, mas
nunca funcionou e o tempo foi passando. Fiquei por um ano doente, morrendo pelos
cantos, jogada naquele sofá, um ano sendo vista como a coitadinha, e eu me
acomodei tanto nisso, fiquei tão bem com a situação, não importei em ser a
coitadinha, o lixo, a fraca, a perdedora, apenas acomodei. Se as pessoas
quisessem me ver assim, que vissem, e daí? Eu sou mesmo uma perdedora, eu
coloquei isso na minha cabeça e eu estive e estou por todo esse tempo sendo
sempre a perdedora, me esforçando para tal, eu estou vivendo toda essa paixãozinha
e amor não correspondido, porque no fundo (não é gostar, é ter isso como única
coisa para me agarrar para fugir) é minha escapatória para não me importar com
os outros problemas, me sustentar nesse sofrimento por amor banal e então
esquecer que eu deveria estar ou estou sofrendo por coisas mais dolorosas,
sofrendo por uma morte que veio de repente, por uma depressão que quase me
aflora todos os dias, por várias crises de choro que eu seguro, toda essa
tristeza, toda essa frieza que tem em mim e eu não consigo dizer. Eu fui toda
sexta-feira numa psicóloga para a qual eu não contava nada, ficava tão
quieta... Como eu sou burra. (Risos). Ela não falava nada e eu não sei se ela
ia me ajudar, não sei, eu nunca sei quem pode me ajudar, na verdade todos têm
um conselho, seja o pior ou melhor, mas eu simplesmente não sei ouvir. Eu não
sei ouvir conselho nenhum. Eles estão aqui todo o tempo dizendo o que eu tenho
que fazer e eu continuo sem saber o que fazer, pois não é como se eles fossem
dizer alguma coisa, dizer por qual caminho devo ir e eu vou simplesmente seguir
esse caminho. Não é fácil desse jeito. E não é que eu complique! E se eu não
quero ir por esse caminho? Por mais saudável que seja, por melhor que seja pra
mim, e se eu quiser ir pela pior estrada? (E é sempre por essa que vou). Eu não
sei, me acomodei em toda essa dor, em toda essa solidão, em tudo, eu me
acomodei! Eu estou tão bem enrolada nesse cobertor, eu não sei mais o que “estar
bem” significa. Para mim deve ser isso: Estar aqui sozinha, não querer acender
as luzes, rezar para que ninguém venha me visitar, querer permanecer trancada
em casa sem ninguém a semana inteira. Sozinha na segunda, na terça, na quarta,
na quinta, na sexta e ligar o som bem alto no sábado e pular até o domingo, e
neste cuidar da casa como se ela fosse toda minha e eu fosse uma adulta
independente, como se eu não precisasse de mais ninguém. Estar bem é ficar
sozinha até perceber que eu não preciso de ninguém, é me esforçar para abrir os
olhos e não conseguir porque sempre tem alguém por perto e nunca sei como lidar
com isso. E eu não sei o que vou fazer, sabe, tudo o que sai da minha boca
ultimamente é tão merda. Mas eu também me acomodei... (Risos) Meu Deus!... a
minha vida é todo um acomodo, eu estou sempre pensando no que eu devo mudar,
mas eu não mudo! Continuo fazendo tudo errado, complicando as coisas, que
bosta! E eu não sei é tudo o que eu sei dizer, eu não sei. “Você está bem?” Eu
não sei. “Você vai mudar?” Eu não sei. “Você sabe o que você quer fazer?” Eu não
sei. “Você sabe o que você fez?” Eu não sei. E o que é saber? É ter consciência
do que fez? Eu posso até ter consciência, mas não tem como voltar atrás, só é
possível ir para frente e mudar o futuro. E eu não sei mudar o futuro! O que é
futuro? Que merda é futuro? É procurar outra pessoa para amar? É seguir em
frente como se nada tivesse acontecido? É começar a conversar melhor com as
pessoas? Boa dica essa última, sim, conversar melhor com outras pessoas, com
amigos. E isso é fácil? Não é fácil simplesmente abrir a boca e falar, eu estou
aqui tentando conversar sozinha e isso já está me incomodando, imagina
compartilhar com outro alguém? E quem quer me ouvir falando assim, com essa voz
ridícula? Ouvindo uma menina ridícula... Quem quer desperdiçar o dia desse
jeito? Porque tem uma verdade sobre a vida: as pessoas sempre vão dar atenção
para aquelas outras pessoas bonitas de comercial de televisão e novela, que têm
sorrisos simpáticos, que tem a auto-estima forte e que quando elas caem, todos
caem junto e querem ajudar. Ninguém quer dar atenção para aquele que age como
um morto vivo, sempre caído e depressivo. E eu sou essa ultima pessoa que está
sempre assim! Ninguém se lembra de mim quando estão felizes, não lembram para
festas, não lembram para comemorações, não lembram nem para contarem uma notícia
boa, e não lembram também para confiar e falar, porque eles querem conselhos de
uma pessoa da qual a vida está dando certo, uma pessoa que tem tudo sobre
controle. (Risos). Ninguém tem tudo sobre controle, mas a maioria sabe fingir
que tem. E eu não tenho nada sobre controle e não sei fingir que tenho algo
sobre controle e na verdade, estou demonstrando muito que até meu nada é
descontrolado. Está todo mundo vendo o quanto estou me afundando e afogando
nesse abismo, mas eles só vêem, não são eles que estão sentindo, sou eu, então
foda-se! “Aquela depressiva uma hora vai acordar pra vida!” eles pensam, mas
ninguém entende que eu já acordei, que tenho consciência de tudo isso, que sei
o que eu fiz (eu tinha dito que não sabia, mas... Enfim, sou essa eterna confusão)
e eu sei o que eu devo fazer, eu sei o que estou fazendo, sou minha própria
psicóloga, tenho conselhos para mim, tenho tudo de bom que eu possa desejar
para mim, mas não adianta! Talvez eu precise de remédios controlados. Ou não.
Nada adianta. Do que adianta saber? Há vários intelectuais que não ganharam na
vida e gente burra está aí ganhando muito. Intelectuais fazem o que? Eles falam
abusivos e exagerados para mostrarem o quanto são assim, usam palavras
rebuscadas, eles são peculiares (voz desprezível) eles estão acima dessa
sociedade medíocre e hipócrita! Eles são assim o tempo todo, isso enjoa e ninguém
quer saber de um intelectual. Mas os burros... O mundo quer rir dos burros, na
verdade, todos são e querem rir com seus semelhantes. Se sentem bem com isso,
pois também são acomodados. O mundo é acomodado. Há os menos burros que se
destacam juntos dos mais burros. Mas quem se importa? Ninguém nunca vai reparar
nas qualidades alheias, vão apontar os erros (que talvez sejam seus próprios
erros ainda não notados, pois é difícil olhar para o próprio nariz) e se
satisfazerem com isso.
Há tanta coisa para saber e o que é o amor entre isso? Quem quer saber
de amor e poesia? Que diferença faz escrever um romance e criar um personagem
amável? Ninguém está dando a mínima para isso. Tem as pessoas que vão a
livraria, lêem Nicholas Sparks, vangloriam-no, desejam aquela história, querem
receber cartas e choram com o final, é tudo lindo por aquele momento. Mas pelo
resto de suas vidas não se esforçarão para que seus sonhos poéticos claramente
se realizem, ou apenas fazer da vida delas um mínimo daquilo, é tudo imaginação,
e é pura merda fora daquilo, fora do livro. E o que podem fazer diante disso?
Novamente: Do que adianta saber? Muita gente sabe. Eles dizem, todo o tempo, as
pessoas estão dizendo: “Por que você lê esses livros? É tudo mentira! Isso não
acontece!”, mas elas gostam de ler também e não mudam! As raras que mudam é
somente para se destacarem, as que fazem valer a pena, fazem para si mesmas,
elas não querem agradar os outros. As pessoas querem estar rodeadas de aplausos
e não de amor. Que bosta é o amor! Elas querem dinheiro! Foda-se o amor! Os
homens querem putas, as mulheres querem pênis.
Voltemos à parte em que o mundo nos julga e o momento exato em que tento
fugir de mim, o ponto de partida de todo esse texto. Quem sou eu nesse meio
todo? Quem sou eu criando meu próprio drama? Devo rir descaradamente sem parênteses
agora. Estou rindo. Eu não sou nada! Não sei o que quero fazer com a minha
vida, eu sei o que fiz, fui fria por todo esse tempo e agora não sei mais
suportar isso, e eu queria poder contar para todos que não sou mais essa, sou
outra, mas não mudei totalmente, estou em fase de transição. Sei que de
qualquer maneira posso contar para as muitas (três) pessoas que estão me
apoiando, mas é somente: Eu agradeço, elas me apoiam, eu peço ajuda, elas me apóiam,
agradeço, peço ajuda, me apoiam, agradeço, mas eu não sigo esses conselhos! Continuo
cometendo os mesmos erros e o que adianta? Não adianta nada! É isso, nada
adianta. Nada funciona. Nada dá certo e eu me acomodei nisso e essa é a verdade
da minha vida agora. Posso tentar... Vão dizer “você tem tempo para mudar a
verdade da sua vida, tempo para mudar o rumo” e tenho mesmo! Mas eu sei mudar o
rumo? Eu não sei. Tenho consciência. A consciência é: deixa rolar. E como deixo
rolar? Estou tão presa, é um cativeiro essa vida toda e eu não sei o que fazer.
Não sei o que fazer.
Flávia Andrade