outubro 30, 2015

Sobre ele

    Ele gosta de poesia romântica, mas não deixa de ler as rimas sujas. Depois de um porre de cerveja, bebe destilado. Ele gosta de cigarros caros e fuma os mais baratos. Gosta de sexo sem compromisso, mas chama de "fazer amor", olha nos olhos e não come mulher de quatro. Ele ouve as músicas exageradas, e compõe algumas de letras simples. Gosta de piadas prontas e adora um filme que quase não consegue entender. Ele gosta delas, delas todas, de todas as mulheres do mundo, e talvez até goste de mim também. Não se pode saber muito sobre ele, quem diria. Logo ele que fala o tempo todo sobre sentir tanto um bocado de coisas loucas.
Flavia Andrade

outubro 23, 2015

O que não é amor

    Amor que não é meu é tristeza, apontando que não posso sentir todo o amor do mundo. Ainda além e não mais que infinito, amor que não é meu é qualquer outro sentimento contido, reprimido, prestes a ser descoberto - ou nunca mais. Se todo alguém, ex-ninguém, me transborda, me desaproprio. Eu sou só via de passagem para alguns muitos, e não faço nenhum parar em mim. O amor fica sucinto em um enquanto o outro vai distraído; a vida é mesmo corriqueira, e somente sentir já é maratona. Eu fico só e vejo tanto coração que apenas pulsa, mas pensa que faz poesia. Sou só isso, uma realidade: meu coração não faz nada não-saudável, é só minha mente que se estraga
Flávia Andrade.

outubro 22, 2015

Os outros planos

    Não estou triste por ter me trazido aqui. Mas os lugares que almejo, os sonhos mais altos e os topos dos prédios não me deixam estar completamente feliz nessa acomodação. Insatisfação, ao seu dispor. Prometo que fico mais um pouco, que bebo dessa bebida quente, que olho para essas pessoas. Contudo, daqui a umas horas, eu vou correr sozinha pelos caminhos que realmente quero e gosto de seguir. Porque talvez eu seja mais livre do que sua maneira simples de liberdade que só alcança a próxima esquina. Quando me aproximo daqui e de você, me distancio de mim e nada mais me faz bem. Neste lugar, sou um abandono imediato do meu próprio corpo para te pertencer. Como é que vou me ser por inteiro? Pois também faço falta de mim, então, só aguardo mais alguns minutos e vou embora.
Flavia Andrade

outubro 19, 2015

É com você

    Desisto e não vou mais fazer planos para nós dois. Eu só preciso dizer que seria bom se você pudesse colaborar em me encontrar casualmente no meio daquela rua perto de onde trabalha e me convidar para ir na sua casa mais tarde. Sabe, é só um convite pra sentar no sofá e ver tevê. Talvez até para uma bebida que por acaso você tenha na geladeira e ainda lembre que eu gosto, mas pode ser tudo uma coincidência boa de aproveitar. Pode ser ainda melhor se me disser algumas coisas bobas que já se passaram nos diálogos que criei na mente, sabe, só porque essas coisas realmente podem acontecer e, como eu já ia esquecendo, nem vai soar repetitivo.
    Eu não vou ficar contando horas pra te ver, mas eu saio de casa às sete horas, volto ao meio dia, fico por aqui e quem sabe você não resolva passar porque estava dando uma volta sem motivos maiores pela vizinhança. Desisto mesmo, de verdade, de pensar tanto em te ver outra vez e ficar com uma saudade sem controle. Até porque, se caso você me encontrar, meio que sem querer, no supermercado onde sempre faz compras, a saudade passa rapidinho, não passa? Você prefere reabastecer sua cozinha no começo ou fim do mês? Não é por nada não. Eu até gosto de andar até lá e evitar o mercadinho daqui de perto.
    Esse negócio de planejar tudo o que se quer fazer não é mais comigo, mas posso abrir uma uma brecha se você me perguntar o que vou fazer no sábado. Ou na sexta, na quinta, na quarta, e posso expulsar de mim a vontade de ficar em casa que sinto nas segundas, terças e domingos. De resto, desisto, é com você.

Flavia Andrade

Não sei um título

    As coisas que não sei são várias. Eu não sei como se chega a algum lugar se ainda não enxerguei nenhum caminho, e qualquer rumo parece torto demais. Não sei como saio de casa se a rua ainda me assusta, mesmo que eu busque por proteção. Não sei como faço para mudar se nem sei quem sou, e até de onde venho parece incerto. Não sei como sano as dúvidas se sou somente um aglomerado de questões que psicanálise nenhuma resolve. Não sei como deixo de ser esse desespero emocional se coisa alguma consegue me acalmar, nem os reencontros que matam instantaneamente minhas saudades. Não sei se preciso de pílulas, de pessoas ou de mais um bocado de solidão, mas sei que tudo está incômodo demais para novos dias. Não sei como conversar sobre o que acontece, só sinto. Sinto sem saber também, pois não tenho certeza alguma. Não sei como posso pensar em qualquer outra coisa se minha mente não me obedece nem para não pensar em tanto não. E não sei se estou em minha mente ou se ela está em mim, apenas sei que não temos sincronia e, nessa semana, estarei outra vez perdida.
Flávia Andrade

outubro 16, 2015

Argh!

    É tão... argh! Essa coisa de ter todos os sentimentos do mundo por alguém ainda me leva à loucura. Meu amor indefinido por uma pessoa só é isso, essa coisa confusa de desejar amá-la com tamanha força que a sufoque e odiá-la por segundos tão longos que a transforme em outra pessoa melhor, mesmo sabendo que é só aquela ali, daquele jeito errado demais pra você, que é boa e ruim de gostar tanto assim. Gostar tanto a ponto de não querer tão perto todos os dias e brigar tanto pra depois morrer de saudades.
   Sentir muito, assim, desastrada, é como comprar o ingresso mais caro para o show menos esperado, apenas pra ouvir uma única música ao vivo. É dar a volta ao mundo correndo com o objetivo bobo de dar uma passadinha em um lugar pequeno que fica no outro extremo. É comprar toda a areia da praia pra construir um castelinho em formato de balde. Mas é que os detalhes são tão bons! E sempre que tento deixar para trás, superar as histórias e não gostar mais, um momentinho de poucos minutos no meio de um dia tumultuado já me prende de novo.

Flávia Andrade

Distraídos venceremos

    Há um momento no dia em que tudo para. Qualquer dia, qualquer hora. Dura um segundo, um minuto ou bem mais. Você não pensa em nada, mas não sente alívio. É quase sufoco. Você vê um objeto, um ambiente, uma paisagem e ao mesmo tempo não vê nada. É um estado de inexistência. E em algum desses momentos, tão raros, alguém repara. Uma distração é sempre pega no flagra por acaso. Música nenhuma toca, toque nenhum te alcança, cor nenhuma é vista. Mas aquela pessoa está lá, sentindo tudo, perguntando o que se passa no meio de tanto silêncio dentro do seu corpo parado.

Flávia Andrade

Artísticos.

    Seu riso de canto, torto, manso, me põe dentro de um filme mudo para cegos, no qual é preciso apenas sentir para assistir. As outras coisas, os objetos e as paisagens mais bonitas, ficam também de canto, tortas, mansas quando você está. Quietinhas, mas roubando a atenção como você faz. E olha bem pra mim, que sou outra arte qualquer sem nome e valor, que invado o centro a mil por hora em desespero sempre que te vejo, e tiro o tom da sua cena e me envergonho para o resto da plateia. Eu que não sei ter controle emocional, físico e tampouco mental; eu que tremo por trás das cortinas, eu que enlouqueço por trinta horas e só me acalmo com esse seu jeito particular de rir do que digo. Somos tanta arte que o abstrato e concreto se juntam, e o poeta parnasiano que passa pela gente elogia todo o nosso modernismo. Mas que coisa rara! Tão rara que reinventamos os nus artísticos e somos agora só nós. Nós artísticos.

Flávia Andrade

Contradição

    Pra eu me apaixonar de novo não leva muito tempo, já pra eu terminar um livro demora mais. Pra aprender a ser só, preciso sair menos, mas pra ser só, de verdade, tenho que viver na rua. Pra poupar decepções devo planejar festas menores, ainda que eu saiba, quase sem querer, que a vida é feita de grandes ações. Não paro de pensar. Pra ser quem eu quero ser: apenas arranquem minha cabeça. Pra ser quem eu sou: se afastem; pois estou sempre onde não devo e não me encaixo, então me escondo. Invento mais que escrevo e escrevo menos que desejo. Sou tanta contradição que, a essa altura, já discordo de tudo o que eu disse e falo pra mim: não é bem assim que funciona, essa é a direção errada. E me perco outra vez.

Flávia Andrade

Sou livre sim!

    Era só mais uma tarde de sol e eu recebi um olhar reprovador para as minhas roupas. "Está muito calor", expliquei. Então seguimos nosso caminho para um parque e não falamos mais nisso.
    Acontece que minha própria frase ficou se martelando na minha mente. Por que devo explicar meus motivos? Digo, é um short curto, é uma blusa solta, é um chinelo de dedo, é um cabelo preso de qualquer jeito, é o que me deixa confortável, e por que eu deveria dar satisfações sobre o meu próprio conforto?
    Eu me sentei na grama e pensei em todas as coisas que explico, mesmo sem querer, porque olhares julgadores me forçam. "A vendedora disse que ficou bonito", "não é tão curto assim, vai", "mas eu não ligo se marca minha barriga (...ou ligo?)", "não tenho muita paciência pra salão de beleza", "cabelo curto é mais prático", "é que roo minhas unhas quando tô nervosa", "peguei a primeira coisa que vi no guarda-roupa", "estava calor demais pra fazer chapinha", "salto alto me incomoda".
    A cada explicação, uma sensação crescente de que estou fazendo algo errado. É como ter uma voz gritante dentro de mim: por favor, alguém me mostra o manual de padrão porque não estou conseguindo seguir!
    Mas dentro de casa, sou livre. Só sutiã pode sim, quem disse que não pode? Roupa amassada pode sim, quem vai me obrigar a passar? E não é esculhambo, não é pouco caso, é me sentir bem o suficiente apenas por não me preocupar com a imagem que vou transmitir para qualquer outra pessoa.     Por que do portão pra fora tenho que ser presa? A liberdade está proibida na rua? Afinal, o que a visão de outra pessoa sobre minha aparência pode mudar em algo? Se incomoda, então me deixa continuar na persistência chata.
    É domingo, dia de parque, dia de sol, o rímel vai derreter por cima da base que vai escorrer rosto abaixo. Eu nem sei qual é a base adequada, acima de tudo. E o batom vai marcar meus copos, vai ficar falho na boca, vai me dar uma agonia. E a alça da blusa vai ficar caindo pelo ombro e o sutiã estará apertado demais e eu só vou querer chegar em casa para arrancar a roupa. No fim, a preocupação toda com o exterior do corpo parece ridícula demais em um passeio tão banal.
    Menina de saia tem que controlar o movimento das pernas, de vestido tem que segurar por causa do vento, de pseudo liberdade tem que se preocupar com cada gesto.
   E por que eu me transformaria tanto para continuar sendo só eu? Desculpa, mas não vai ter desculpa não. Minha voz é alta, meu tênis é baixo. Meu cabelo está pra cima, minha auto-estima também. Não vai ter mais explicação não. Meu corpo não está à mostra, apenas está no mundo sendo inteiramente meu. Cada um cuida do seu, não é?

Flávia Andrade

outubro 13, 2015

a menina lá dentro



a menina migra
sem mochila


sobrevoa a própria vida
do alto do sofá
e pousa no tapete
e deita, e grita, e chora
tão distraída, perdida


se encontra por dentro
do topo da mente
aos pés descalços
e sente, e pensa, e ora
sem som, disritmia


não sabe mais quem é ela
e desvenda, desbrava, perscruta
mergulha, afoga, naufraga,
ela é ilha

Liberta.

    Não sou mais sua, porque agora sou minha por inteiro. É como estar livre para ser quem eu nunca soube ser: eu mesma. E a essa altura parece que demorou tanto, mas eu precisava aprender no meio de toda a confusão.
   Você costumava ser o protagonista do meu mundinho fechado: rodeando uma história inventada que eu achava que era boa. Eu te assistia, te admirava, te procurava para passar os dias. Quase não vivia, que era para sobrar tenho para andar seus passos. Nem procurava meu próprio caminho, porque o seu parecia o certo a seguir. Acontece que eu ainda não conhecia nada e nem tinha colocado os pés lá pra fora. Acontece que você me levou pra rua e eu gostei tanto. Até comparei a visão do céu a você. Pensei que para ter um, precisava do outro.
    E agora, andando sozinha, com um riso causado por mim mesma e sendo completa, enxergo um céu bem maior. Vou mais longe. Sou eu quem decido minha velocidade: devagar ou depressa, depende de quando quero chegar. Desculpa por ter te deixado para trás, é que a liberdade é tão boa! Mas eu volto logo, volto para contar as minhas histórias, volto para agradecer. Afinal, a vida não é tão ruim como eu achava enquanto ainda estava do seu lado.

Flavia Andrade

O caminho de volta

    Eu estava indo pela rua sendo um corpo invisível, mas lá do canto vi na esquina umas oito pessoas me encarando. Nem meu casaco cinza e minha calça escura puderam me fazer desaparecer.
    Eu fiquei exposta. O frio batia desde antes, mas a partir dali senti um vento gelado bem mais forte.     Eles ainda me olhavam. Eu que era pura incompreensão e não sabia qual o meu lugar além daquele rumo. Eu que era somente um sentimento indeterminado.
    De tão exposta ao passar por todas aquelas pessoas, andei falando sozinha pelas outras ruas. Fiquei fora de mim, em todos os sentidos da frase. As confusões foram sendo colocadas ao meu redor e eu sem conseguir controlar, sem calar a boca.
    Eu estava resmungando sobre mim. Não estava me aceitando daquele jeito. Reclamava sobre os extremos aos quais costumo chegar. E também lamentava sobre ele, por ser justo a causa da minha loucura. Logo ele que andava tão próximo de mim.
    Eu sabia que só um resto de vinho não tinha sido o suficiente, que o dia não acabaria tão cedo e tão bom, que um dia após o outro nunca é igual. Em um dia a gente é feliz pelo resto da vida, em outro a gente nem quer viver. Há ainda as temporadas nas quais são vinte e nove dias ruins entre o único dia bom. E eu andava sentindo tanta falta daquele um.

Flávia Andrade

Ainda dois

Eles são dois.
Dois corpos, duas bocas. Eles e suas mãos, pés, cabelos, olhos.
Eles e seus olhos, é aí que tudo muda.
Ela o olha tão sincera. Consegue transmitir um abraço, um afago, um cafuné só por olhar.
Mas ele, bem ali na frente dela - justo dela, não significa nada de olhos abertos; e quando os fecha: vê outra.
Eles são vários.
Ela é quem sente e quem finge não sentir. Ele é quem não sabe quem é e quem finge ser outro alguém um tanto bem melhor. Ela sente tanto e ele sente diferente.
Conforme as horas passam, os dias voam e as semanas mudam, tudo é (re)descoberto.
Eles são vagos.
Não são um para o outro (e ele até pensa que não é pra ninguém).
Aonde os dois vão? Porque andando assim ninguém enxerga os tumultos internos, e para o mundo são só dois que se combinam.
Ela até se pergunta:
Se eles se jogassem no mundo sem mais nada, o que poderiam ser?

Flavia Andrade

outubro 11, 2015

Filme de domingo

   O problema dos domingos é que tenho tardes e noites inteiras para deitar, seja no sofá, cama ou chão, e pensar sobre você. Você por completo. Os detalhes menores que somente meus olhos fechados e minhas lembranças distantes conseguem encontrar. E conforme as horas lentas passam, revivo as horas que não deveriam ter passado tão depressa. Eu dou risada sozinha mais uma vez das frases erradas e das piadas ruins, choro um pouco por alguns segundos que apenas transbordam, acrescento trilha-sonora ao que passamos e respiro bem fundo tentando recuperar os perfumes. A gente é vida real de segunda à sábado, e no domingo vira filme.
Flávia Andrade

Just feels right

    Nos embaraços do cabelo ainda estão a neblina e a nicotina da madrugada passada, e nos nós dos dedos estão os toques entre as mãos geladas que formavam uma barraquinha de calor. As horas quase não passaram depressa como sempre passam, porque eu precisava reencontrar em você as minhas alegrias perdidas nos outros anos. Eram muitas, e eu não parava de sorrir. Percebe agora ou percebeu naqueles momentos o bem que me faz? Mesmo que não sejamos nada ou que sejamos apenas dois errantes, de alguma forma a gente se encontrou no melhor de nós. E eu quero que fique, certo? Que fique ainda que traga outras pessoas, ainda que não seja só por mim, mesmo que os dias fiquem mais difíceis, mesmo que me encontrar com frequência te canse. Eu só peço para que não vá embora outra vez, para que não me deixe te expulsar novamente. É minha tendência, e sei que você pode ajeitá-la. Eu sinto a última madrugada e sinto partes de você e sinto muito do que somos, tudo parece certo.

Out(ro)ubro

    É outro outubro e estamos nos conhecendo novamente, nos reconhecendo. Eu não sou mais aquela de outubro repassado, e você não é mais aquele de outubro passado. Estamos próximos das datas mais importantes e não sei como vamos passar por elas dessa vez, só sei que gosto desse nosso novo jeito. Eu não sei como me sinto por agora, mas sinto que são sentimentos melhores do que aqueles que me fizeram derramar lágrimas por você. Não tenho certeza sobre o que é isso que está acontecendo, mas está me fazendo um bem imediato. Nós trouxemos de volta a nós a paz. Aquela paz boa sem orgulho desastroso. Trouxemos de volta a nós o início que desviamos sem querer em algumas escolhas erradas dos anos que não voltam mais. E eu nem desejo que voltem. Nós já voltamos com toda a felicidade que havia sumido entre o calor que costumávamos ter. É uma nova relação, e ela está boa. Consegue me entender? Somos novos, renovados, melhores. Que outubro seja o começo certo que nos distraia de todos os começos errados de nossas vidas. Que nós continuemos assim.

Flávia Andrade

outubro 07, 2015

2015

Em 2015, finalizei um livro, Retratos de Cinzas. Comecei e finalizei em alguns meses outro livro, A vida é uma puta. Continuei vendendo Natasha. Escrevi mais de duzentos textos, todos devidamente postados no blog, até mesmo os que por motivos maiores ou minúsculos não foram para a página. Aliás, mantive a página atualizada, ainda que com algumas rápidas desistências de três dias ou uma semana. Escrevi um roteiro de curta-metragem, uma fanfic pessoal, traduzi alguns textos e poemas, escrevi a contracapa do livro O diário dos trinta anos. Criei, junto de mais quatro amigos, O Beco Bêbado - que é nosso projeto/blog que em breve se tornará livro. Criei mais outras coisas que só poderão ser divulgadas no próximo ano. E isso, por enquanto, é somente a parte da minha vida neste ano relacionada à literatura, a essa vidinha de escritora.

O caminho mais curto

    Pra esquecer você eu precisaria andar demais, deixar um bocado de coisas e pessoas pra trás, fingir uma consciência novinha em folha, parar de escrever todos esses textos, desistir de algumas coisas de uma vida a dois que planejei, mudar de casa, sair da cidade, não tomar mais daquela água, não frequentar mais aquele bar, nunca mais comer cachorro-quente, não encontrar ninguém com seu nome tão comum, não me meter mais com qualquer tipo de arte, nunca ouvir the maine, the beatles ou chico buarque, nunca mais assistir a lista enorme dos seus filmes favoritos, evitar sua família, seus amigos, seus conhecidos, seu local de trabalho, sua universidade, sua estação do ano favorita; eu precisaria não existir nos seus dias de aniversário e ser quase ninguém no seu mês. Pra esquecer você eu precisaria não pensar em você, nem de olhos abertos, nem de olhos fechados, mas eu penso a todo instante. Pra te esquecer seria necessário encontrar outras pessoas, mas estou preenchida de detalhes seus e não cabe nada novo nesse coração estragado. E só de pensar na burocracia tamanha, eu te ligo e digo que prefiro lembrar.

Flávia Andrade

discurso.

    sou mais da breja e do flerte. amor já tentei por um tempo, não funcionou bem e me enfiaram em um táxi pra voltar pra casa. tenho meia arrastão até os joelhos, porque eu gosto de arrastar multidões comigo, gosto que me sigam, que façam o que faço. não recomendo o que eu digo porque é tudo besteira, é tudo mentira. sou uma mentirosa compulsiva. eu ando pra longe que é pra deixar saudade, e quem sentir que venha me encontrar no topo do mais profundo da vida. sou de sentimentos rápidos, porém intensos. sou quem sente uma coisa só por uma semana e não esquece jamais, ainda que o sentimento se torne apenas um objeto na lixeira. por dentro sou cheia de interrogações, por fora estou rodeada de exclamações que me seguem até em sussurros. só a embriaguez é amiga e me ajuda a escrever melhor. das pessoas faço textos e proporciono décadas de sobrevivência. um brinde.

flávia andrade

outubro 04, 2015

Pra quem não acredita

    Não, meu senhor, eu não tenho emprego. Sou dessas pessoas que escrevem, sabe? Não tem isso de ter letra bonita, não tem regra nenhuma, não tem horário, não tem patrão. A gente bota uma ideia pra fora, vê se 'tá bom e é isso. Ninguém me encontra no fim do dia ou do mês para oferecer pagamento, dar agrado ou recompensa, mas, de alguma forma, espero por resultados. Senhor, quer saber quanto eu ganho? Eu só sei que não venho perdendo nada. Nem tempo, nem vida, nem paciência, porque esse negócio de escrever só faz bem. Quanto mais estragado a gente fica, mais texto rende. Duvida? Bota um escritor pra sofrer pra ver se não sai um livro novo. Às vezes acho que bloqueio criativo se resolve com uma decepção. (Mas vale a pena deixar a gente feliz também). Voltando ao lucro, recomendo que o senhor converse com editoras, isso fico pra elas. Eu só sei que escrevo, e, nesse meu caso, escrever é como sobreviver. É minha certeza de que estou aqui pra alguma coisa. Se alguém me lê, já bate uma felicidadezinha. Se alguém gosta de me ler, daí eu fico bem melhor. Se alguém vem elogiar... Senhor, senhor, eu poderia abraçar todos que elogiam. Até porque são bem poucos, nem ia cansar. Mas significa tanto que às vezes escrevo pra eles, pra eles que gostam. Escrevo para gostarem mais ainda. Eu descobri que não pode ser algo só sobre mim, porque isso é coisa de diário. Eu já superei fase de diário, senhor, agora escrevo umas coisas aí que nem sei de onde vêm. Não é querendo me gabar, mas só quem já escreve por algum tempo que sabe como funciona esse negócio. Às vezes a gente só sabe o que quis escrever quando termina, então já foi. Depois de algum tempo a gente até pensa menos na tal de gramática, mas isso parece com a vida também. Começamos querendo fazer tudo certinho, manter aparências e tudo o mais. Depois de tanto ficar consertando erro que nem queríamos ter causado, é mais fácil "meter o louco", sabe como é? 'Cê pensa: tanto faz. E começa a fazer do seu jeito único que ainda que não seja tão bonito, é como você gosta. Meu senhor, eu faço isso aqui o dia todo numa vida inteira que não pretendo largar, e nem adianta me dizer que é sem rumo, que não dá em nada além de prejuízo. Também não precisa ser cínico, sugerir que sou má escritora e dizer que não vai comprar meus livros. Pode poupar todo o tempo e todo o desgaste em tentar me tirar desse mundo, porque eu gosto tanto que ele está mais em mim do que estou nele. 'Tô pregada nisso de anotar todo sentimento, toda ação, toda coisa inexplicável e inexprimível que, por ser metida a escritora, consigo escrever. Consegui escrever até isso aqui que pode te servir para calar a boca, olha que coisa mais bonita, dá até pra assinar meu nome.

Flávia Andrade

Uma só

    Não posso ser todas as meninas, garotas, mulheres e mulherões do mundo em apenas um corpo desastrado. Não posso dançar no salão porque minha dança é feita de passos errados em lugares escondidos. Não tem como esperar muito de mim, pois eu mesma espero pouco, sou cheia de medos. Até gosto de alguns abraços, mas não sou de ficar tão perto por muito tempo. Posso até fazer declarações, mas a maioria sai confusa no meio de diálogos bobos que gosto de conversar. Falo bobagens, dou risos altos, fecho os olhos para esquecer algumas coisas ditas que me escapam sem querer. Não quero estar na medida padrão de corpo, não sirvo para medir palavras, não meço mais altura. Sou de tantos jeitos que quase não me encontro e pouco me descrevo, que é para não confundir mais. Se pareço errada, perdoa, sou só eu.

Flávia Andrade
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